domingo, 18 de dezembro de 2011

É ou deveria ser?

É ou deveria ser?

Conversando com o Clínico >>
Prof. Ronaldo Araújo de Souza

Recentemente, Delfim Netto* publicou um artigo, cujo título é O fracasso da economia acadêmica. Ele começa dizendo que “em 1609, Galileu Galilei, (1564-1642) depois de ter aperfeiçoado um instrumento construído um pouco antes por óticos holandeses, produziu uma luneta que chamou de ‘Perspicillum’. Com ela deu origem a uma revolução na astronomia”.
Mais adiante, em outro parágrafo ele diz. “Mas qual a importância disso agora, há de perguntar-se, irritado, um daqueles economistas que se pensa portador da ‘verdadeira’ ciência econômica? Eu também uso a matemática! A pequena diferença é que o seu ‘tipo’ de conhecimento tem muito mais a ver com Aristóteles esteticamente matematizado do que com Galileu. Em lugar de tentar entender como funciona o sistema econômico, tenta ensiná-lo como deveria funcionar em resposta à beleza dos seus axiomas…”
Um conhecimento esteticamente matematizado pode nos levar a teorias interessantes. Mas, há um risco. Idealizamos tão bem, criamos teorias tão consistentes, que passamos a imaginar que aquela não é a última palavra, é a única. Pelas formulações que fizemos, pelas respostas que encontramos, muitas vezes passamos a ensinar não como funciona, mas como deveria funcionar. A prática às vezes nega. Nem sempre é como se imagina.
Mas, isso é ciência, é assim que ela funciona. Ocorre que a hegemonia do pensamento muitas vezes retarda de forma exagerada o avanço da ciência. Reinou absoluto durante muito tempo, mas o sistema financeiro desmoronou. Nele, não havia espaço para o outro, para uma outra forma de pensar. Mas, adaptando a frase de Delfim Neto, “qual a importância disso agora, há de perguntar-se, irritado, um daqueles endodontistas que se pensa portador da ‘verdadeira’ ciência endodôntica”?
Já fiz algumas vezes a analogia entre as descobertas de Galileu Galilei (posteriormente às de Nicolau Copérnico), e as resistências encontradas quando se vai de encontro aos dogmas da Endodontia. Já que Delfim Neto falou em Aristóteles e Galileu, permita-me acrescentar algo. O pensamento Aristotélico era o reinante na época, o que a própria Igreja Católica seguia. Foi justamente esse o receio maior de Galileu (já tinha sido antes de Copérnico), ir de encontro ao pensamento que reinava. Quando o fez, foi condenado. Ele contestou um dogma científico. Não se faz isso sem pagar um preço.
Quando Larzs Spangberg, um investigador biológico consagrado em toda a comunidade científica endodôntica, disse no editorial de 2003 do Oral Surgery... que “todas as informações obtidas das pesquisas endodônticas de laboratório precisam ser sistematicamente provadas em estudos clínicos randomizados para distinguir fato de ficção”, é bem provável que ele já tivesse percebido a curta sobrevida da ciência sem a clínica.

Qual é a concentração de hipoclorito de sódio que você usa? Qual? Ah, sim, 2,5%. Você sabe que até bem pouco tempo atrás você seria condenado, como Galileu foi, por dizer isso? Por que? Porque os trabalhos mostravam que essa concentração era altamente tóxica aos tecidos vivos. Pelo que mostravam os resultados, tinha-se que usar solução fisiológica para irrigar os canais, porque essa concentração é biocompatível. Uma beleza de axioma**.
Aceitou-se depois, o hipoclorito de sódio a 0,5% e mais tarde a 1%. Por que hoje se usa cada vez mais o hipoclorito de sódio a 2,5%? Porque além da beleza das estrelas, há algo mais no firmamento. Interpretou-se o trabalho de Grossman e Meiman como algo que indicava a necessidade de baixas concentrações de hipoclorito de sódio. Não seria o contrário, isto é, pelas dificuldades de se remover o conteúdo do canal, dever-se-ia utilizar uma concentração que proporcionasse maior ação solvente?
Para proteção dos tecidos ápico/periapicais, particularmente do coto pulpar, era fundamental a colocação de uma “gota” de hidróxido de cálcio sobre o coto pulpar. Uma beleza de axioma. A clínica não foi capaz de confirmar a viabilidade desse procedimento na rotina dos consultórios.
Por que não instrumentar o canal cementário? Para não agredir os tecidos periapicais. Os trabalhos mostram que quando se manipula o forame gera-se uma reação inflamatória nos tecidos (periapicais) vizinhos. O canal cementário é, assim, uma região sagrada. Uma beleza de axioma. Será que entendi bem? Quer dizer que um determinado segmento do organismo humano, mesmo infectado, é sagrado, não deve ser manipulado, é isso?
O pensamento Aristotélico diz, ao longo desses últimos mais de cinquenta anos, que se a obturação do canal não for hermética não há sucesso e vários trabalhos “provaram” isso. Daí a necessidade de se vedar todas as entradas/saídas do sistema de canais. Onde estão os registros da confirmação dessa teoria na literatura? A hegemonia do pensamento não permitiu sequer a discussão da sensatez e viabilidade da concepção. Que se condenem e levem à fogueira idéias contrárias.
Já disse em outra oportunidade que não basta elaborar belas hipóteses e a partir delas ensinar como fazer um tratamento endodôntico. É preciso saber e entender o que ocorre no tratamento endodôntico, para que se possa ter a melhor noção da validade ou não dos nossos postulados teóricos na aplicação clínica. A Endodontia registra alguns momentos em que os resultados clínicos entraram em choque com o que se idealizara nos laboratórios.
O neoliberalismo é um modelo falido, e com ele faliu o mundo. O interessante é que alguns cardeais do neoliberalismo estão negando o que fizeram e já estão dando entrevistas de como as coisas devem ser feitas para salvar o mundo (no Brasil, todos os dias estão na televisão dizendo o que o governo deve fazer). O sufocamento de novas idéias parece ser comum também na ciência endodôntica. São criticadas com o devido respaldo do conhecimento esteticamente matematizado. Mas, como diz Victor Hugo***, “é possível resistir à invasão dos exércitos, não à invasão das idéias”. Diante do surgimento delas, ensinam a fazer. E desejam assumir a paternidade.
Adaptando a frase de outro artigo de economia, desta vez de Dani Rodrik****, a culpa não é da endodontia, é dos endodontistas.

* Antônio Delfim Netto - economista e político paulista.
** Axioma - premissa imediatamente evidente que se admite como universalmente verdadeira sem exigência de demonstração.
*** Victor Hugo - (1802-1885), escritor e poeta francês de grande atuação política em seu país.
**** Dani Rodrik – economista americano, professor na Escola de Governo, de Harvard.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Tratamento endodôntico de 2º molar superior com curvatura e quatro canais.

O preparo químico-cirúrgico tem como objetivo a modelagem e a sanificação, valendo-se de instrumentos endodônticos e substâncias químicas auxiliares da instrumentação, atuando no sistema de canais radiculares, estrutura orgânica e inorgânica, proporcionando limpeza e desinfecção do espaço anteriormente ocupado pela polpa, como também, conformação cônica contínua, com maior diâmetro cervical e menor apical, mantendo o forame na forma e posição originais, facilitando a realização da obturação hermética e tridimensional (SHILDER, 1974).
A complexidade da anatomia interna (PINEDA, VERTUCCI, WEINE, HESS, BRAMANTE) e a distribuição dos microrganismos (SHOVELTON) constituem um dos maiores desafios da Endodontia, principalmente quando relacionados aos canais curvos.
Não obstante, concrescências, anfractuosidades e atresias normalmente fazem parte das peculiaridades dos molares, principalmente os curvos (SCHNEIDER).
Entretanto, o franco acesso do instrumento à zona crítica apical e o preparo do canal é um procedimento recoberto de dificuldades, que na maioria das vezes, resultam em acidentes, entre outros, desgastes excessivos na zona de perigo, com ou sem perfuração (ABOU-RASS), forma de ampulheta no canal, com menor diâmetro na porção média do canal (BUCHANAN), degraus, desvio apical durante o preparo com ou sem perfuração (AL-OMARI; SOUTHARD), além da possibilidade de fratura dos instrumentos, devido às tensões proporcionadas pelas curvaturas, como também, o diâmetro, desenho da ponta, flexibilidade do instrumento e a técnica de instrumentação utilizada, variações da dureza dentinária e obstruções do canal por meio de raspas de dentina e conseqüentemente perda do comprimento de trabalho, sinalizam o insucesso da terapia endodôntica.
Muitos pesquisadores desenvolveram, nas duas últimas décadas, variações técnicas nos preparos dos canais radiculares curvos a partir das considerações anatômicas e suas repercussões supracitadas, com especial atenção à técnica do preparo cervical (MARSHALL; PAIVA; LOPES).
O preparo cervical pode ser definido pela ampliação do diâmetro na entrada e terço cervical do canal, criando acesso retilíneo aos terços médio e apical, proporcionando um desgaste anticurvatura, direcionado às zonas volumosas ou zonas de segurança. Consiste numa alternativa para superar a influência da curvatura apical, a partir do desgaste compensatório.
É proposição dos autores apresentar uma técnica simplificada para o preparo de canais curvos, utilizando técnicas capazes de contornar problemas relativos à presença de curvaturas e dificuldades inerentes. (In:TÉCNICA SIMPLIFICADA PARA O PREPARO DE CANAIS CURVOS)
Histórico: Homem, 36 anos. Chegou com indicação protética para o tratamento endodontico. Radiograficamente: Foi observada na radiografia restauração MOD e uma curvatura acentuada na raiz  MV do elemento 17.
Tratamento Proposto: Tratamento endodontico em sessão única.

Instrumentação rotatória: Limas Easy Pró-designe. Biomecânica Final: lima flexofile 35 (MV/DV/MP) 40(P).
Solução de hipoclorito a 5,25%.


Técnica de obturação: Técnica de condensação vertical aquecida ( Schilder 1967).
Cimento endodontico: Endofill (Dentsply)


quinta-feira, 10 de março de 2011

Uso de Ultrassom para remoção de nódulos pulpares durante o tratamento endodontico


Cálculos pulpares ou dentículos: são massas calcificadas nodulares, que aparecem nas porções coronárias ou radiculares da polpa, ou em ambas. Muitas vezes se desenvolvem em dentes que parecem normais em outros aspectos. Também podem ser encontrados em dentes inclusos.
Calcificações no interior da polpa não são incomuns, embora sua freqüência seja difícil de determinar. Encontra-se um número elevado de calcificações pulpares em dentes de indivíduos idosos e naqueles que foram expostos à cárie ou trauma. Nos casos de calcificação distrófica (calcificação relacionada com áreas que sofreram agressões e que apresentam estágios avançados de lesões celulares irreversíveis ou já necrosados), alguns fatores podem ser responsáveis pela formação inicial dos núcleos de calcificação. Os mais bem estudados são:
  1. Fosfatase alcalina: Comumente observada nos processos normais de calcificação.Nos tecidos lesados é aumentada a sua liberação, o que facilita a formação de fosfato de cálcio.
  2. Alcalinidade: nos tecidos necrosados, a alcalinidade está aumentada, provocando uma diminuição da solubilidade do carbonato de cálcio. Este, agora menos solúvel, precipita-se mais facilmente.
  3. Presença de proteínas extracelulares: acredita-se que algumas proteínas, como o colágeno, possuem afinidade pelos íons cálcio, principalmente nos processos normais de calcificação. Em tecidos necrosados, essas proteínas podem estar "descobertas", mais livres para associação com o cálcio, estimulando a deposição destes sobre essa matriz protéica.
Sendo comum em áreas necrosadas, portanto sem função, a calcificação distrófica não traz maiores conseqüências para o local. É, antes de tudo, um sinal da existência de uma lesão prévia.
CLASSIFICAÇÃO:
Há três tipos de calcificações pulpares: dentículos verdadeiros, falsos dentículos e calcificações lineares difusas.
Os dentículos verdadeiros correspondem à formação de dentina na polpa, eles são formados como resultado de uma interação epitélio-mesênquimal durante o desenvolvimento da polpa, filamentos epiteliais originados da bainha epitelial radicular de Hertwig ou extensões cervicais para o interior da câmara pulpar adjacente as furcas, induzem a diferenciação odontoblástica da papila mesenquimal adjacente, formando o centro do dentículo, os odontoblastos depositam dentina tubular conforme se afastam do epitélio central e produzem estruturas com a forma de dedos ao redor do epitélio, isto ocorre devido ao deslocamento de grupos de odontoblastos durante a dentinogênese.
Considera-se que os falsos dentículos são deposições de cálcio em círculos concêntricos que se formam geralmente iniciada por uma minúscula região de ph ácido, eles se desenvolvem ao redor de um ninho central de tecido pulpar (fibras colágenas, substância fundamental ou células necróticas). A calcificação inicia-se em torno da porção central e se estende para fora, em um padrão concêntrico ou radial de material calcificado regular. A maioria dos cálculos pulpares desenvolvem-se após a formação completa do dente e usualmente ficam livres ou aderidos à estrutura dentinária. Em raras exceções, os cálculos podem estar embutidos. Estes cálculos pulpares podem eventualmente ocupar porções consideráveis da câmara pulpar.
As calcificações lineares difusas não apresentam a organização lamelar dos cálculos pulpares. Mostram-se como áreas de calcificação irregular, fibrilar e fina, que freqüentemente são paralelas a vasos. São amorfos, não possuindo estrutura específica e geralmente ocorrem como conseqüência final de uma degeneração hialina do tecido pulpar. Tais calcificações podem estar presentes na câmara pulpar ou nos canais radiculares, e sua freqüência aumenta com a idade. Essa calcificação pressupõe uma invasão bacteriana e é o estágio inicial de uma necrose pulpar.
Os dentículos e cálculos pulpares podem atingir um tamanho considerável, sendo detectados em radiografias intra-orais como uma área radiopaca no interior da câmara pulpar ou dos canais radiculares. As calcificações lineares difusas normalmente não são detectadas ao exame radiográfico.
Quanto à localização: os cálculos pulpares são classificados de acordo com a sua localização em relação à parede dentinária circundante em:

·         Cálculos livres: são aqueles totalmente cercados por tecido conjuntivo pulpar.
·         Cálculos aderentes ou inseridos: parcialmente fusionados com a dentina.
·         Cálculos inclusos ou incluídos: totalmente cercados por dentina. Todos se originam livres na polpa e vão se tornando aderentes ou inclusos, conforme avança a formação de dentina.
Clinicamente, a presença destas calcificações no tecido pulpar pode levar a complicações irreversíveis, ou ate mesmo à extração do dente.
Abaixo duas figuras exibindo a presença de cálculos pulpares indicados pelas setas pretas e brancas, respectivamente: 

 Calcificação distrófica (setas) na polpa dentária.dentina (D) (HE, 200X)
 
Caso Clínico:

Histórico: Mulher, 56 anos. Chegou ao consultório relatando dor espontânea e pulsátil.

Radiograficamente: Observava uma imagem radiopaca, indicativa de restauração no elemento 26, muito próximo a câmara pulpar, sem alteração visível na região periapical. Foi inicialmente identificada uma alteração anatômica na camara pulpar.
Hipótese Diagnóstica: Pulpite Irreversível.

Tratamento proposto: Tratamento endodôntico em sessão única.
 
Uso do ultrassom Jet Sonic (Gnatus) com inserto ET20. Para remoção dos nódulos pulpares, juntamente com o uso de uma sonda exploradora reta (ODUS)
Uso de localizador apical, Root Zx II (J Morita).

Instrumentação Rotatória: Motor X-Mart (Dentsply), sistema de limas Easy Pró-Design.
Instrumentação manual final: Biomecânica lima 40 Distal, 35 Mesiais.
Solução de hipoclorito a 5,25%.

Técnica de Obturação: Híbrida de Tagger com cimento endodontico Endofill (Dentsply).
 

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O preparo do terço cervical e sua importancia na pratica diária da endodontia

Acredito que muitos de vocês já tiveram dificuldades para instrumentar canais atrésicos, aqueles em que a penetração do primeiro instrumento já é difícil. Não são canais com configuração anatômica normal, aquilo que aprendemos a ver e gostar de tratar, o canal cônico, de fácil acesso. Não, eles aparecem na radiografia como uma linha, uma fita.
Qual é a grande dificuldade? Um instrumento que durante todo o tempo trabalha com fortes interferências em todo o trajeto do canal sofre um maior desgaste, portanto maior risco de fratura, apresenta um maior potencial de alterações na anatomia, particularmente no caso de canais curvos (degraus, desvios), maior possibilidade de entulhamento de raspas de dentina, etc.
O avanço da Endodontia tem permitido a criação de novos instrumentos e novas técnicas de instrumentação. Hoje, não só para esses canais como para os demais, o “grande segredo” é o preparo cervical. Parece haver consenso de que todos os canais devem passar pelo preparo cervical prévio ao preparo do terço apical.
Dos três segmentos do canal, cervical, médio e apical, qual é o mais importante? Está em dúvida ou já respondeu? Vamos lá.
Onde é que mais ocorre fratura dos instrumentos? Onde é mais difícil irrigar bem? Onde é mais difícil preencher bem com a medicação intracanal? Onde é mais difícil fazer uma boa obturação? Se eu disser que a resposta para essas questões é o terço apical estou muito longe de acertar?
Por que o preparo cervical é tão importante? Porque diminui de forma significativa algumas dificuldades e possibilidades de erros. Em termos de modelagem, o objetivo fundamental do preparo cervical é facilitar o preparo do terço apical. Quando se fala de preparo cervical, vêm à mente as técnicas coroa-ápice. Assim, na verdade, é o preparo dos terços cervical e médio.
São inúmeras as vantagens desse tipo de instrumentação, uma delas essa de facilitar o preparo do terço apical. É claro que quando se alarga (faço questão de usar essa palavra neste momento) os terços cervical e médio, a instrumentação das porções finais do canal fica mais fácil e segura para o profissional. Desde já, entretanto, que fique bem claro, tornar mais fácil não quer dizer tornar fácil.
Agora, vamos lá. Você tem dificuldade para penetrar e instrumentar o terço apical de um incisivo central superior em condições normais? É provável que não, confere? Por que? Porque todo o canal é praticamente reto e amplo. Sendo amplo, não oferece dificuldades, concorda comigo? Tendo em vista que naturalmente já são amplos, será que você precisa alargar mais ainda os terços cervical e médio para penetrar e instrumentar o terço apical?
Quantos canais apresentam características semelhantes, ou seja, de não oferecerem maiores dificuldades à sua penetração? Posso dizer inúmeros? Nesses casos, você vai alargar mais ainda para penetrar neles? Vai usar instrumentos com conicidade acentuada (ou devo dizer taper? porque soa melhor, afinal, falar em inglês mostra os nossos conhecimentos) porque o canal comporta? Está certo, comporta, mas tenho uma pergunta bem simples para lhe fazer. Precisa?
Preciso fazer isso naquele canal sobre o qual conversamos aí em cima, atrésico, curvo, difícil de penetrar, uma linha, uma fita. Por que? Porque torna mais fácil aquilo que é muito difícil nesses canais: instrumentar o terço apical. Mas, no incisivo central superior!!!
Sim, tudo bem, não precisa, mas também por que não fazer? Por uma razão bem simples. Existe uma coisa chamada proporcionalidade. Observe que os canais são cônicos, isto é, mais amplos no terço cervical, depois médio e finalmente apical, e esse afunilamento é tão sutil que não se percebem mudanças bruscas de volume de um segmento para o outro. Por que? Porque assim são as raízes. Há uma proporcionalidade entre a luz do canal e as paredes da dentina radicular (volume de um e espessura do outro). O que ocorre quando se alarga demais o canal? As paredes radiculares ficam finas, com pouca espessura, altera-se a proporcionalidade. Resultado: maior risco de fratura. Você já reparou a quantidade de dentes fraturados com pinos largos? Isso se devia à Prótese, mas hoje também não terá a ver com a Endodontia? Não percebemos porque não conseguimos (ou não queremos?) associar uma coisa à outra, mas trabalhos já mostram preocupação com isso.
Fisiologicamente (com o decorrer dos anos) pela deposição de dentina secundária, ou patologicamente (processo acelerado pelas constantes agressões, cáries/restaurações/recidivas, doenças periodontais/cirurgias), pela deposição de dentina reparadora, a luz do canal diminui acentuadamente. Para o tratamento desses canais, o preparo cervical promove um maior alargamento para “recriar” o espaço anatômico original, uma vez que este permitirá maior facilidade com o segmento apical. Quando isso é feito não se está alterando a proporção entre canal e parede dentinária, pelo contrário, “recupera-se” a original.
No canal naturalmente acessível, simplesmente alargar para obedecer a regras pre-estabelecidas, ao modismo de conceitos e instrumentos “modernos”, alargar por alargar, não parece muito sensato. O preparo do canal é bem feito quando o alargamento, um processo natural, consequência da instrumentação, respeita todos os aspectos, particularmente o anatômico, onde se inclui a proporcionalidade. Talvez seja mais o que deve e não o que pode ser feito. (Endodontia Clínica - Prof. Ronaldo Sousa)

Histórico: Homem, 46 anos. Chegou ao consultório relatando fratura da restauração do elemento 37, preenchida no posto de saúde com cimento provisório. Ao exame clínico, observou  a restauração provisória,na face oclusal.
Radiograficamente: Foi observada na radiografia area radiopaca na coroa e uma curvatura na raiz mesial do elemento 37, e uma calcificação, devido a uma minima visualização da luz do canal.
Tratamento Proposto: Tratamento endodontico em sessão única.

Preparo cervical com broca de gates-gliden: 4, 3, 2 e 1.

Instrumentação rotatória: Limas Easy Pró-designe 20/07. Biomecânica Final: lima flexofile 35 Mesial e 40 Distal.
Solução de hipoclorito a 5,25%.
 
Técnica de obturação: Técnica de condensação Híbrida de Tagger com cimento endodontico Endofill (Dentsply).
 Restauração provisória com Cimento de Ionomero de Vidro.